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domingo, 12 de novembro de 2017

Quando o seu amor era sem fim





Imagine que você pudesse voltar dez ou vinte anos no passado e se ver brincando no seu lugar favorito. Observe seus gestos, seus sorrisos, seus pulos e gritos. Lembre-se das palavras que você ainda não sabia pronunciar, das corridas que você fazia para fugir ou perseguir os outros. Você vivia em um mundo inventado, uma realidade feliz, uma verdade legítima que prevalecia no seu íntimo, mesmo diante de todas as mentiras que os adultos contavam para machucar os corações das crianças. Você tinha um amor sem fim.

Agora volte para o presente e sinta a armadura que você veste, as armas, os escudos e as lanças que você usa para se proteger (ou se atacar?). Você mudou, envelheceu, mas não é só isso; você desanimou. Você se deixou vencer ao não perceber que a guerra não era contra o mundo, mas contra si mesmo. Ao tentar se defender das ameaças externas, você foi dominado pelas internas. Ao tentar escapar da caverna em que vivia, você não percebeu que ela se expandia e se aprofundava ao seu redor. E tudo mais se perdeu, aquelas lembranças agora parecem tão distantes quanto você se afastou de si mesmo.

Então você cresceu e se tornou o homem da armadura, o campeão do torneio na disputa das verdades, o vencedor sobre os outros pela força, pelo discurso, pelo dinheiro, pela fama ou pela inteligência. Afinal, você ama o poder, se viciou nele quando começou a brincar com ele, e como qualquer vício logo tomou conta de você por inteiro, ao ponto de você não perceber mais o quanto de você está morrendo lentamente dentro da armadura.

Agora, pare um pouco e abaixe as armas. Comece o caminho de volta à sua essência. Lembre-se do que faz você se sentir autêntico. Volte no tempo e encontre aquela criança que você foi. Olhe nos seus olhos e pergunte se ela tem orgulho de você, do que você fez com os sonhos dela. E espere a resposta. Se ela não te disser nada e simplesmente sorrir, puxar a sua mão e começar a correr, você já sabe a resposta.

Faça o caminho de volta e descubra como ressuscitar aquele amor que era sem fim dentro de você.


(Erison S. Lima)

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Sim, eu falhei.

Sim, eu falhei!
Falhei com minha aluna surda. E poderia ter falhado ainda mais com qualquer outro aluno que apresentasse alguma excepcionalidade..., fosse um estudante cego, disléxico, ou autista, por exemplo, provavelmente erraria com ele também.
Erraria porque quem veio "antes de mim" também falhou. O Sistema de Ensino no Brasil, ao não me formar com o preparo necessário para ajudar aqueles alunos, ao não me instrumentalizar para visualizar suas reais necessidades, falhou por não me fazer enxergar essas pessoas. Não estruturou nossas escolas para recebê-los, para incluí-los como a lei determina e como eles precisam para desenvolver suas potencialidades. O sistema que privilegia os "melhores", os mais bem preparados, os que não passam necessidades financeiras, que exclui os mais fracos e exalta, por competição, os que mais se destacam, relega todos aos que são diferentes uma posição de invisibilidade.
Falhamos todos, Estado, família e sociedade, ao tornarmos invisíveis aqueles a quem dizemos amar, cuidar e respeitar. Deixamos para trás seres humanos cujos direitos dizemos proteger. Ainda estamos longe de "alcançar o patamar de humanidade". Podemos fazer parte da solução, mas, de forma geral, preferimos reproduzir os problemas, já que é mais comodo fechar os olhos. Somos uma sociedade terrivelmente ineficiente. Racionalmente entendemos o que precisa ser feito, mas não fazemos, e bradamos: "quem nos salvará do corpo desta morte?".
Somos a única espécie na Terra que constrói meios para exterminar a si mesma. Gostamos de privilégios, amamos regalias, excluímos os outros porque podemos, somos arrogantes e insensíveis.
Talvez não seja assim o tempo todo, afinal, existem pessoas altruístas, trabalhando para o bem comum, deixando suas casas e confortos para oferecer o que tem, em troca de um mundo melhor. Estes, considero seres superiores, respeitáveis, verdadeiros exemplos a serem seguidos. Eu apenas faço o que posso, o que está ao meu alcance realizar da forma como aprendi, que nem de longe é o bastante.
Quero melhorar como professor, estudar mais, ler mais, completar a minha formação com a instrumentalização necessária para alcançar os que sentem-se excluídos. Quero poder dizer que me sinto realizado com trabalho que fiz, e de como o aluno recebeu o que ensinei. Assim, quem sabe um dia, pessoas como minha aluna surda poderão ter orgulho de mim.

domingo, 5 de novembro de 2017

Minhas memórias são parte de quem sou.



Jamais me esquecerei do caminho que percorria de volta para casa, partindo da escola situada em um bairro sereno de Manaus. As ruas eram adornadas por árvores majestosas de diversas espécies, cujos galhos e folhas se derramavam sobre as vias. Algumas, que na minha infância eu imaginava centenárias, ainda resistem ao tempo. As mangueiras, em particular, eram um marco, e recordo-me dos colegas que, ao deixar a escola, se aventuravam a colher mangas maduras, lançando pedras e engenhocas que só a inventividade infantil é capaz de criar.

Caminhava pelas calçadas ladeadas por mansões no Adrianópolis, algumas com jardins meticulosamente cuidados, outras cercadas por muros altos, que aos olhos curiosos de uma criança pareciam guardar segredos. A travessura de tocar campainhas e fugir era nossa pequena rebelião, fazendo-nos sentir audaciosos, especialmente quando alguém aparecia para atender.

Desde antes que minha memória se firmasse, aquele cenário era parte de mim, transmitindo uma paz que talvez emanasse da tranquilidade do local. A caminhada, embora breve, nunca era apressada. Às vezes, parecia que eu buscava, naqueles passos lentos, as lembranças de um lar que já não existia como antes. Aos 12 anos, a vida já havia me apresentado inúmeras mudanças: casa, bairro, amigos. Tudo se transformava, mas o caminho permanecia o mesmo, intocado.

Anos mais tarde, após me formar, voltei a percorrer aquelas ruas, agora como professor na escola onde outrora fui aluno. Era por volta de 2010, e o bairro havia se transformado, refletindo o progresso inexorável que substituiu as antigas mansões por edifícios modernos.

Hoje, minha relação com aquele espaço físico é diferente, mas ainda prezo pelas memórias daqueles momentos singelos. Após os 36 anos, compreendo que são essas lembranças alegres da infância que devemos preservar, pois elas nos ajudam a reconhecer quem somos ao nos olharmos no espelho. Cresci nos anos 80 e 90, e as recordações mais vívidas são daquela época. Não se trata de mera nostalgia, mas de um respeito profundo pelo passado.

Escrevi uma vez que não guardo rancor do meu passado, pois encontrei perdão nele. Esse perdão que abrange tudo, seja o que estava ou não sob meu controle. O passado me fortalece para encarar o futuro. Minhas memórias são a essência do meu ser, sob as camadas que a vida me fez construir. E assim, posso afirmar que, apesar de tudo, aquele caminho ainda vive em mim.

Vocação e Valor: A Realidade dos Professores

Segundo uma postagem no Instagram do Jornal O Globo, publicado hoje,  oito em cada dez professores  já consideraram a possibilidade de mudar...