Palavra em Política: o dizer em um Parlamentar
Por Thobyas Torres e Evanilson Andrade
O que caracteriza um Governo, seja ele municipal, estadual ou federal, é
seu exercício prático em relação as Instituições Públicas. Estes exercícios
definem seus métodos, seus procedimentos e princípios. O Governo não é uma
entidade autônoma, simploriamente livre para praticar suas ações. Ao contrário,
necessita definir uma racionalização responsável por especificar seus atos, a
partir de variáveis existentes na população que governa. Ou seja: o Governo não
é uma substância etérea distanciada da matéria a qual participa e a qual se viu
tornar possível. O Governo, ainda que esteja longe de sua vontade soberana,
dirige as atividades ou, pelos menos, regula e orienta, ações da população. E,
para fecharmos este pobre conceito de governo, o governo necessita de seus
sujeitos políticos profissionais, eleitos legalmente, para que seu exercício
possa se fazer realidade.
Deste modo Governo algum, mesmo os autoritários e ditatoriais, não partem
de sua própria existência, mas da dinâmica histórica da sociedade. Isto é
importante para que cada sujeito político profissional, ocupando cargo público
em um dos poderes concedidos pela Constituição, possa compreender que sua
condição de homem público é a condição máxima e de excelência de fazer o bom
uso da Palavra para o bem comum.
Pois bem: "As manifestações do parlamentar Daniel Silveira, por meio
das redes sociais, revelam-se gravíssimas, pois, não só atingem a
honorabilidade e constituem ameaça ilegal à segurança dos ministros do Supremo
Tribunal Federal, como se revestem de claro intuito visando a impedir o
exercício da judicatura (…) o autor das condutas é reiterante na prática
criminosa, pois está sendo investigado em inquérito policial nesta corte, a
pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), por ter se associado com o
intuito de modificar o regime vigente e o Estado de Direito".
O que citamos acima, de acordo com reportagens em jornais de circulação
nacional online, é parte do mandado de prisão em flagrante de oito páginas, sem
direito à fiança, expedido na noite de terça-feira (16/2) pelo ministro
Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), contra o deputado
Daniel Silveira (PSL-RJ), apoiador ferrenho do presidente Jair Bolsonaro (sem
partido) e uma das principais vozes de sua "base ideológica" na
Câmara dos Deputados.
O que o parlamentar em questão praticou não precisamos dizer ou
esclarecer, bem como não precisamos
dizer que suas justificações para seu ato, pautado na Imunidade Parlamentar,
apenas depreciam a Democracia Moderna e a prática de todos aqueles que rezam
pela excelência da prática parlamentar em uma Democracia.
Deste modo, decidimos fazer uma reflexão sobre o ocorrido.
O ser humano é realmente um ser possuidor de linguagem. Sua história nos
comunica todo um desenvolvimento físico, fisiológico e cognitivo da sua
capacidade, inegável, de fazer uso da Palavra. Neste caminho
histórico-linguístico, o ser humano desenvolveu diversos meios de falas,
línguas, organizou gramáticas e estruturou modos de linguagens com diversos
objetivos, todos responsáveis por fazer da palavra a relação de reciprocidade entre
coisas e dizeres, para a compreensão de acontecimentos espirituais, religiosos,
jurídicos, sociais, econômicos, afetivos e políticos, entre outros.
O homem fala. Quem poderia negar tal afirmação? Contudo, a fala humana,
para ser genuinamente uma comunicação, deve se ancorar na Palavra. Esta é uma
invenção humana. O ser humano inventou a palavra a partir de suas condições
biológicas, mas também sociais e políticas. afirmamos isto, pois dizer palavra
não significa, necessariamente, dizer comunicação. A comunicação é mais vasta.
Sem dúvida, a comunicação não está reduzida aos recursos dos símbolos, dos
caracteres, dos signos linguísticos formais humanos.
Para um médico, uma febre comunica uma infecção no corpo de um possível
doente. Para um pedreiro um prumo bem ajustado e manuseado comunica um estado
de equilíbrio e adequação propício para a construção de algo. Para um pintor
impressionista, a luz e suas modificações durante o passar das horas, comunica
as transformações que as cores vão tomando na tela. Para uma cozinheira, os
vapores, os cheiros e gostos a se fazerem, comunicam o momento exato de se apagar
o fogo ou de parar uma dada quantidade de elementos para se determinar uma
precisa mistura.
A comunicação vai além da Palavra. Percebe-se logo isto, quando o biólogo
Jakob von Uexküll, afirma com alegria que o animal carrapato é um interprete do
meio ambiente em relação ao seu próprio organismo, pois pratica a comunicação
com seu mundo próprio, uma vez que realiza trocas com seu entorno, para daí
operar a funções de seu próprio organismo:
“Os carrapatos (Ixodinae), pequenos insetos [sic]5 relativos aos
acarinos, se fixam em organismos de sangue quente para se alimentar. São
capazes de viver sem alimento por muitos meses, mas necessitam de sangue para
gerar ovos fecundados. Possuem apenas três receptores (“órgãos perceptivos”),
que podem captar três diferentes “signos perceptivos" (perceptual signs [Merkzeichen]):
(1) signos olfativos causados pelo ácido beta-oxibutírico6, que pode ser
encontrado no suor de todos os organismos de sangue quente; (2) signos táteis
como o induzido pelo couro peludo dos mamíferos e (3) signos temperaturas
produzidos pelo calor das áreas dérmicas lisas. Cada signo se refere a uma
resposta específica iniciada pelo signo”. (THURE VON UEXKÜLL)
Os animais possuem uma complexa forma de comunicação de acordo com suas
relações recíprocas com os signos receptivos que possui, portanto, de acordo
com o modo que cada um animal se relaciona com seu meio e realiza trocas
diversas.
Mas o animal não possui Palavra. Sua comunicação vem de sua animalidade
vital. Ao contrário, o ser humano, pelo uso da palavra, deve, para se fazer
humano e diferente dos animais, ou seja, demonstrando ser capaz de virtude e
não apenas de Instinto, usar a palavra com o máximo de excelência. Isto
significa que pela Palavra o argumento, a persuasão, a retórica sincera e o
discurso procurador (em seu termo jurídico também) devem surgir com o objetivo
cidadão de realizar o bem comum na cidade.
A Palavra em todos os seus sentidos, é a mãe da política. Não porque pela
palavra se pode gerar a discussão, a polêmica ou afirmações seguras de
diferentes opiniões, mas pela ocorrência dela ter o poder de tornar tudo, e a
todos, uma coisa pública (república). A palavra existe na livre liberdade de
expressão.
Contudo, assim como a Democracia Moderna não pode ser reduzida a noção de
liberdade vulgar concernente ao tudo se poder fazer e dizer, a liberdade de
expressão nas Democracia históricas sempre respeitou preceitos e princípios
geradores de critérios não apenas legais, mas também éticos-morais.
A Constituição Federal de 1988
catalogou a liberdade de expressão como direito fundamental e impôs ao Estado e
aos particulares a obrigação de protegê-la e promovê-la em favor da democracia
e do progresso social.
No caso do Brasil, a liberdade de expressão está positivada na Carta
Magna no artigo 5º, incisos IV (liberdade de pensamento), IX (liberdade de
expressão propriamente dita) e XIV (acesso à informação), e no artigo 220 e seu
parágrafo 1º (liberdade de informação).
A ordem constitucional brasileira, nesse aspecto, seguiu os parâmetros
jurídicos traçados pela comunidade internacional. Importantes cartas de
direitos protegem expressamente o direito à liberdade de expressão, como pode
ser visto no Artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de
1948,1 no artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e
no Artigo 13.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de São José da
Costa Rica.
Mais do que um direito, a liberdade de expressão pode ser entendida como
um conjunto de direitos relacionados às liberdades de comunicação. Sendo
diversas as formas de expressão humana, o direito de expressar-se livremente
reúne diferentes liberdades fundamentais que devem ser asseguradas
conjuntamente para se garantir a liberdade de expressão no seu sentido total.
Tal conjunto de direitos visa à proteção daqueles que emitem e recebem
informações, críticas e opiniões. Assim, na ordem jurídica contemporânea, a
liberdade de expressão consiste, em sentido amplo, num conjunto de direitos
relacionados às liberdades de comunicação, que compreende: a liberdade de expressão
em sentido estrito (ou seja, de manifestação do pensamento ou de opinião), a
liberdade de criação e de imprensa, bem como o direito de informação.
Dessa maneira, é correto dizer que, conexos e intrínsecos à liberdade de
expressão, encontram-se também outros direitos, como o direito de informar e de
ser informado, o direito de resposta, o direito de réplica política, a
liberdade de reunião, a liberdade religiosa etc. Por conseguinte, a concepção
de liberdade de expressão deve ser a mais ampla possível, desde que resguardada
a operacionalidade do direito
Por conseguinte, a proteção às
liberdades comunicativas se justifica pelos valores que promove e, a longo
prazo, a própria sociedade se beneficia quando essa promoção se dá com bastante
intensidade.
Assim, o respeito efetivo à liberdade de expressão funciona como um
parâmetro averiguador do grau de consolidação da democracia e do respeito aos
direitos humanos de um país.
Nesse sentido, contribuindo para o debate acerca da exata configuração da
liberdade de expressão, professamos o entendimento de que esta deve ser
protegida quando presente um dos elementos das justificativas instrumental e
constitutiva, servindo esses elementos como verdadeiros motes para sua inclusão
no rol dos direitos e garantais fundamentais.
Assim sendo, um animal pode defecar em público, urinar, expor seu corpo,
fazer suas glândulas agirem; o animal jamais será estúpido a fazer estas
coisas, pois ele está se comunicando.
Já para um ser humano, fazer uso da palavra para expor sua redução
cognitiva e incapacidade de argumentação, persuasão e retórica sincera, é
demonstrar o quanto ele não pode ser comparado a um animal, uma vez que saiu de
sua condição de animal-humano e passa a conservar sua redução cognitiva se
tornando não sabemos bem o quê.
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