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quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Era uma vez, um Sarau.




Era uma vez, um Sarau.
Foram tempos de alegria e Graça, quando cantávamos e versávamos livremente. Nossa expressão era total, era inteira, não haviam travas, não haviam moldes, era tudo nosso!
O Sarau do Serjão, iniciado em 2014, era nada menos do que um oásis de liberdade, em meio ao aprisionamento robotizado dos sapatos cor de asfalto e das redes que prendem as penas dos pássaros. Um sopro de vida no meio da mesmice e da chatice. Era uma oportunidade para que o jovem subisse ao palco, fosse ele mesmo, e ser aplaudido. Nele podia-se falar com ou sem impostação, com emoção ou não, com papel ou não, a única coisa que não se podia no sarau era alguém não ser verdadeiro. E era tudo nosso!
Verdade, era isso o que imperava ali, nele cabiam críticas a tudo, indignação, revolta, amor, paixão, paquera. Nele cabia a saudade, a perda, a traição, a dor de cotovelo. Nele cabia a fuga de casa, a razão, a ilusão, o sonho, a piada, a tristeza, a solidão. Nele só a mentira não cabia. E era tudo nosso!
Os tempos passaram, o sarau mudou, ampliou-se, tomou proporção, ficou conhecido, querido, amado. Os que um dia passaram por ele quiseram voltar, mesmo que a escola como um todo não tivesse lhes agradado, o Sarau marcou, por isso lutavam para estar nele. Para relembrar os momentos de liberdade, de paixão e emoção que é estar em um palco declamando, reclamando, amando... E era tudo nosso!
O lugar da poesia é o lugar da liberdade de ser. E quando há moldes, quando há travas, quando há imposição, existe prisão e não arte, a poesia morre e o poeta vai junto.
O Sarau descobriu poetas, revelou poetas, incentivou poetas de todos os tipos. Poetas que sabem falar e que não sabem, poetas que "dão show" e os que falam baixinho para alma ouvir. Poetas são feitos de sonhos. Naquele palco do CETI Eng Sérgio Alfredo Pessoa Figueiredo, vi meus amados poetas crescerem e amadurecerem, irem e voltarem. O que dizer de Kamila Craveira ?, sempre lembrada, e de Jhe Daiana?, e de Airton Costa Jr.?, e de Sabrina Marinho?, e de Natasha Stephanie?, e Rayssa Memoria?, e de Emily Oliveira?, e de Andrey Marinho?, e de Michell Rc?, da eterna dupla Jorge Alberto e Nicolas Santos?, e Dan Filipe?, e Gustavo F F Santos?, e Rodrigo Schaefer da Silva?, e Amanda Renata Souza?, e tantos outros que ainda estão entre nós, ou já estiveram, seria impossível lembrar de todos. Além dos professores que declamaram seus poemas ali. Era tudo nosso!
Ao contrário do que alguns podem pensar, o Sarau nunca foi feito "de qualquer jeito", foi planejado e executado com todo o cuidado para ser o que era, aparentemente desorganizado, porém, nunca foi, ele era orgânico, espontâneo, e acima de tudo, verdadeiro. O Sarau nasceu com a benção do poeta Sérgio Vaz, com quem conversei, e me inspirou com seu trabalho na periferia de São Paulo, com seu Sarau da Cooperifa, onde pessoas comuns tornavam-se poetas, e apresentavam-se todas as quartas-feiras no bar do Zé Batidão, com total liberdade, eram aplaudidos e aceitos como poetas. No Sarau do Serjão, todos os poemas são aplaudidos, feios e bonitos, ditos com expressão ou com timidez, isso não importa, o que importa é dizer. E era tudo nosso!
Neste momento em que o luar se avizinha sobre a minha carreira, eu percebo a falta de compreensão e o questionamento com relação a existência do Sarau. Não vou negar, estou cansado, quero diminui-lo, aconchegá-lo em uma sala menor, mais intima, mas com a mesma liberdade. Recebo as criticas que são feitas, mas me indigna o preconceito e a incompreensão. O trabalho que realizo é, antes de tudo fruto do meu esforço, do meu suor, e das minhas lágrimas, e nele não aceito dedos, não aceito "bedelho", não aceito que se metam, querendo mudá-lo para ser o que esperam dele e não o que ele é, o lugar da liberdade. Pois ainda é tudo nosso!
Mas se for assim, e eu tiver que brigar para me afirmar, digo que já estou velho de mais para provar o que quer que seja, prefiro parar. Visito outras terras. Começo um outro sonho. Conquisto outros espaços. Alargo minhas tendas, vou para onde me queiram e me aceitem como sou e meus projetos como são. Se o sarau continuará, não sei. Talvez em outras mãos, melhores e mais hábeis, estou satisfeito com o que fiz, saio feliz. Afinal, um dia foi tudo nosso!

(Escrito em outubro de 2017)

1.      A ideia de criar o Sarau surgiu a partir de um desafio proposto pelo professor Erison Soares Lima, que lecionava Língua Portuguesa no Centro de Ensino Técnico Engenheiro Professor Sérgio Alfredo Pessoa Figueiredo (CETI), em Manaus. Ele desafiou seus alunos a escreverem poemas sobre temas de seu interesse e os apresentarem em um evento cultural na escola .

2.      O desenvolvimento do projeto na prática envolveu várias etapas, como a seleção de textos poéticos de autores consagrados e contemporâneos, a leitura e análise dos poemas, a produção de textos autorais, a revisão e reescrita dos poemas, a preparação da apresentação oral, a organização do espaço físico e a divulgação do evento. Além disso, o projeto contou com a participação de convidados especiais, como o poeta residente no Amazonas Gui Cordel e o músico Féliz Aranha.

3.      No início, não se imaginava que o projeto tomaria as proporções que tomou. O professor Erison Soares Lima esperava apenas despertar o interesse dos alunos pela leitura e escrita de poemas, mas o Sarau se tornou um sucesso na escola e na comunidade, atraindo a atenção da mídia e de outros educadores. O Sarau também possibilitou o reconhecimento dos talentos dos alunos, que passaram a publicar seus textos em blogs, revistas e livros .

4.      A relevância do projeto na vida dos participantes foi enorme, pois eles puderam expressar suas emoções, sentimentos, opiniões e vivências por meio da poesia, além de ampliar seu repertório cultural e literário. Eles também desenvolveram habilidades como criatividade, comunicação, colaboração e criticidade. O Sarau também contribuiu para a formação cidadã dos alunos, que passaram a valorizar sua identidade, sua cultura e seu território .

5.      Pode-se considerar que o sarau é uma tradição no Sérgio Pessoa, pois ele acontece desde 2017 e já teve 12 edições. O Sarau também se tornou um espaço de integração entre os alunos, os professores, os funcionários e a comunidade escolar. Além disso, o Sarau é um exemplo de como a escola pode ser um lugar de cultura, arte e transformação social .

 

Breve histórico

Em 2014, decidi criar a minha própria iniciativa na produção de projetos, inspirado nos saraus da Zona Norte de São Paulo. Especificamente, o Sarau da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia) criado pelo poeta Sérgio Vaz. Assim surgiu o “Sarau do Serjão”, que era a culminância das oficinas de poesia realizadas durante todo o ano em sala de aula, com o objetivo de incentivar o hábito da escrita poética nos alunos do Ensino Médio. Esse grande evento reunia a declamação de poemas originais dos alunos, além de apresentações musicais e teatrais. Tudo isso acontecia durante o turno vespertino em um único dia.

Em 2018, submeti um projeto intitulado "Sarau 'do Serjão': uma experiência poética comunitária para além dos muros da escola" ao edital do PCE/Fapeam, no qual medimos os impactos sociais e comunitários desse projeto tão frutífero. No entanto, em 2017, fui convidado para assumir o cargo de coordenador de área de linguagens na escola, o que me impediu de continuar conduzindo as oficinas em sala de aula. Apesar de desafiador, consegui realizar as edições de 2018 e 2019 do sarau, além da edição online em 2021, durante a pandemia, que foi a nossa última.

Durante seus oito anos de existência, o Sarau do Serjão tornou-se uma referência na comunidade, e seus ex-alunos frequentemente pediam para assistir e participar do evento, declamando seus próprios poemas. Os alunos tinham liberdade para se expressar da forma que desejassem, desde que não houvessem ofensas, preconceitos ou discriminação. No total, foram realizadas doze edições do sarau, sendo onze presenciais e uma edição online transmitida ao vivo pelo Facebook em 2021, cuja gravação está disponível no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=nUKSQQFjVXQ.

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